1. ENEM 2010
Capítulo
III
Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara e,
enquanto lhe deitava açúcar, ia disfarçadamente mirando a bandeja, que era de
prata lavrada. Prata, ouro, eram os metais que amava de coração; não gostava de
bronze, mas o amigo Palha disse-lhe que era matéria de preço, e assim se
explica este par de figuras que esta aqui na sala: um Mefistófeles e um Fausto.
Tivesse, porém, de escolher, escolheria a bandeja - primor de argentaria,
execução fina e acabada. O criado esperava teso e sério. Era espanhol; e não
foi sem resistência que Rubião o aceitou das mãos de Cristiano; por mais que
lhe dissesse que estava acostumado aos seus crioulos de Minas, e não queria
línguas estrangeiras em casa, o amigo Palha insistiu, demonstrando-lhe a
necessidade de ter criados brancos. Rubião cedeu com pena. O seu bom pajem, que
ele queria pôr na sala, como um pedaço da província, nem pôde deixar na
cozinha, onde reinava um francês, Jean; foi degradado a outros serviços.
(ASSIS,
M. Quincas Borba. In: Obra completa. V.1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993)
Quincas
Borba situa-se entre as obras-primas do autor e da literatura brasileira. No
fragmento apresentado, a peculiaridade do texto que garante a universalização
de sua abordagem reside:
a) no
conflito entre o passado pobre e o presente rico, que simboliza o triunfo da
aparência sobre a essência.
b) no
sentimento de nostalgia do passado devido à substituição da mão de obra escrava
pela dos imigrantes.
c) na
referencia a Fausto e Mefistófeles, que representam o desejo de eternização de
Rubião.
d) na
admiração dos metais por parte de Rubião, que metaforicamente representam a
durabilidade dos bens produzidos pelo trabalho.
e) na
resistência de Rubião aos criados estrangeiros, que reproduz o sentimento de
xenofobia.
2. ENEM 2011
O
nascimento da crônica
Há um meio certo de começar a crônica por uma
trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando
as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a
sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas
conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um
suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica.
Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do
que as crônicas, que apenas datam de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés,
antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo de Noé, houve calor e crônicas. No
paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e não é prova do contrário
o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas razões, uma capital e outra
provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a
segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta
razão é provincial, porque as nossas províncias estão nas circunstâncias do
primeiro homem.
(ASSIS,
M. In: SANTOS, J .F. As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2007)
Um
dos traços fundamentais da vasta obra literária de Machado de Assis reside na
preocupação com a expressão e com a técnica de composição. Em O nascimento da crônica, Machado
permite ao leitor entrever um escritor ciente das características da crônica,
como:
a)
texto breve, diálogo com o leitor e registro pessoal de fatos do cotidiano.
b)
texto ficcional curto, linguagem subjetiva e criação de tensões.
c)
priorização da informação, linguagem impessoal e resumo de um fato.
d)
linguagem literária, narrativa curta e conflitos internos.
e)
síntese de um assunto, linguagem denotativa, exposição sucinta.
3. ENEM 2014
O Jornal do Commércio deu um brado esta semana
contra as casas que vendem drogas para curar a gente, acusando-as de as vender
para outros fins menos humanos. Citou os envenenamentos que tem havido na
cidade, mas esqueceu de dizer, ou não acentuou bem, que são produzidos por
engano das pessoas que mani-pulam os remédios. Um pouco mais de cuidado, um
pouco menos de distração ou de ignorância, evitarão males futuros. Mas todo
ofício tem uma aprendizagem, e não há benefício humano que não custe mais ou
menos duras agonias. Cães, coelhos e outros animais são vítimas de estudos que
lhes não aproveitam, e sim aos homens; por que não serão alguns destes, vítimas
do que há de aproveitar aos contemporâneos e vindouros? Há um argumento que
desfaz em parte todos esses ataques às boticas; é que o homem é em si mesmo um
laboratório. Que fundamento jurídico haverá para impedir que eu manipule e
venda duas drogas perigosas? Se elas matarem, o prejudicado que exija de mim a
indenização que entender; se não matarem, nem curarem, é um acidente e um bom
acidente, porque a vida fica.
(ASSIS,
M. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1967)
No
gênero crônica, Machado de Assis legou inestimável contribuição para o
conhecimento do contexto social de seu tempo e seus hábitos culturais. O
fragmento destacado comprova que o escritor avalia o(a):
a)
manipulação inconsequente dos remédios pela população.
b)
uso de animais em testes com remédios desconhecidos.
c)
fato de as drogas manipuladas não terem eficácia garantida.
d) hábito
coletivo de experimentar drogas com objetivos terapêuticos.
e)
ausência de normas jurídicas para regulamentar a venda nas boticas.
4. ENEM 2017
Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o
lenço e contemplara por alguns instantes as feições defuntas. Depois, como se a
morte espiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na testa.
Foi nesse momento que Fortunato chegou à porta.
Estacou assombrado; não podia ser o beijo da amizade, podia ser o epílogo de um
livro adúltero […].
Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar
outra vez o cadáver, mas então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços, e os
olhos não puderam conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor
calado, e irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou
tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente
longa.
(ASSIS,
M. A causa secreta. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br Acesso em: 9 Out.
2015)
No
fragmento, o narrador adota um ponto de vista que acompanha a perspectiva de
Fortunato. O que singulariza esse procedimento narrativo é o registro do(a)
a)
indignação face à suspeita do adultério da esposa.
b)
tristeza compartilhada pela perda da mulher amada.
c)
espanto diante da demonstração de afeto de Garcia.
d)
prazer da personagem em relação ao sofrimento alheio.
e)
superação do ciúme pela comoção decorrente da morte.
5. ENEM 2019
Inverno! inverno! inverno!
Tristes nevoeiros, frios negrumes da
longa treva
boreal, descampados de gelo cujo
limite escapa-nos
sempre, desesperadamente, para lá do
horizonte,
perpétua solidão inóspita, onde apenas
se ouve a voz
do vento que passa uivando como uma
legião de lobos,
através da cidade de catedrais e
túmulos de cristal na
planície, fantasmas que a miragem povoam
e animam,
tudo isto: decepções, obscuridade,
solidão, desespero
e a hora invisível que passa como o
vento, tudo isto é o
frio inverno da vida.
Há no espírito o luto profundo daquele
céu de bruma
dos lugares onde a natureza dorme por
meses, à espera
do sol avaro que não vem.
POMPEIA, R. Canções sem metro.
Campinas: Unicamp, 2013.
Reconhecido pela linguagem
impressionista, Raul Pompeia desenvolveu-a na prosa poética, em que se observa
a
a) imprecisão no sentido dos
vocábulos.
b) dramaticidade como elemento
expressivo.
c) subjetividade em oposição à
verossimilhança.
d) valorização da imagem com efeito
persuasivo.
e)
plasticidade verbal vinculada à cadência melódica.
Gabarito:
1. A
2. A
3. A
4. D
5. E
Nenhum comentário:
Postar um comentário