quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Questões de vestibular UEL com gabarito


Questões de vestibular UEL

UEL - 2019 - Literaturas 


1. Leia a seguir o fragmento retirado da obra O demônio familiar, de José de Alencar. 

CENA XIII - Alfredo, Azevedo 

Alfredo – É raro encontrá-lo agora, Sr. Azevedo. Já não aparece nos bailes, nos teatros. 

Azevedo – Estou-me habituando à existência monótona da família. 

Alfredo – Monótona? 

Azevedo – Sim. Um piano que toca; duas ou três moças que falam de modas; alguns velhos que dissertam sobre a carestia dos gêneros alimentícios e a diminuição do peso do pão; eis um verdadeiro tableau de família no Rio de Janeiro. Se fosse pintor faria um primeiro prix au Conservatoire des Arts. 

Alfredo – E havia de ser um belo quadro, estou certo; mais belo sem dúvida do que uma cena de salão. 

Azevedo – Ora, meu caro, no salão tudo é vida; enquanto que aqui, se não fosse essa menina que realmente é espirituosa, D. Carlotinha, que faríamos, senão dormir e abrir a boca? 

Alfredo – É verdade; aqui dorme-se, porém sonha-se com a felicidade; no salão vive-se, mas a vida é uma bem triste realidade. Em vez de um piano há uma rabeca; as moças não falam de modas, mas falam de bailes; os velhos não dissertam sobre a carestia, mas ocupam-se com a política. Que diz deste quadro, Sr. Azevedo, não acha que também vale a pena de ser desenhado por um hábil artista, para a nossa “Academia de Belas-Artes”? 

Azevedo – A nossa “Academia de Belas-Artes”? Pois temos isto aqui no Rio? 

Alfredo – Ignorava? 

Azevedo – Uma caricatura, naturalmente... Não há arte em nosso país. 

Alfredo – A arte existe, Sr. Azevedo, o que não existe é o amor dela. 

Azevedo – Sim, faltam os artistas. 

Alfredo – Faltam os homens que os compreendam; e sobram aqueles que só acreditam e estimam o que vem do estrangeiro. 

Azevedo (Com desdém) — Já foi a Paris, Sr. Alfredo? 

Alfredo – Não, senhor; desejo, e ao mesmo tempo receio ir. 

Azevedo – Por que razão? 

Alfredo – Porque tenho medo de, na volta, desprezar o meu país, ao invés de amar nele o que há de bom e procurar corrigir o que é mau. [...] 

ALENCAR, J. O demônio familiar. 4.ed. São Paulo: Martin Claret, 2013. p.90-92. 

Com base na obra O demônio familiar, de José de Alencar, responda aos itens a seguir. 

a) A cena ressalta uma temática comumente explorada por José de Alencar. Indique qual é essa temática e explique como a cena a aborda. 

b) De acordo com a temática indicada no item a), aponte a personagem que mais se aproxima das concepções defendidas por Alencar. Justifique sua resposta. 


2. UEL - 2019 - Literaturas/Interpretação de texto 

Leia os fragmentos a seguir, do romance O filho eterno, de Cristovão Tezza. 

Já viu na enciclopédia que o nome da síndrome se deve a John Langdon Haydon Down (1828-1896), médico inglês. À maneira da melhor ciência do império britânico, descreveu pela primeira vez a síndrome frisando a semelhança da vítima com a expressão facial dos mongóis, lá nos confins da Ásia; daí “mongolóides”. Que tipo de mentalidade define uma síndrome pela semelhança com os traços de uma etnia? O homem britânico como medida de todas as coisas. 

[...] 

O problema da normalidade. Talvez ele mesmo escreva um pequeno roteiro com o texto certo para as pessoas recitarem no momento da confissão da tragédia. Algo como “Não me diga! Mas imagino que hoje em dia já há muitos recursos, não? Olha, precisando de alguma coisa, conte comigo” – e então ele diria, obrigado, vai tudo bem. Mudariam de assunto e pronto. Bem, em grande número de encontros, não precisaria dizer nada: são bilhões de pessoas que não o conhecem, contra apenas umas dez ou doze que o conhecem. Essas já sabem; não preciso acrescentar nada. Na maior parte dos casos, basta dizer: Sim, a criança vai bem. Felipe, o nome dele. Obrigado. E nada mais foi perguntado e nada mais se respondeu, dando-se por encerrado o assunto e prosseguindo a vida em seus trâmites normais. Ele respira aliviado. 

TEZZA, C. O filho eterno. 7. ed. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 42-43. 

Os fragmentos transcritos do romance O filho eterno mostram reações do pai, ao saber que seu filho nasceu com Síndrome de Down. Suas impressões sobre a nova situação, neste excerto, revelam perspectivas diferentes para lidar com o problema. 

Cite e explique duas perspectivas que são depreendidas desses fragmentos. 

3. UEL 2017 - Literaturas 

Leia o poema a seguir. 

Os romeiros sobem a ladeira
cheia de espinhos, cheia de pedras,
sobem a ladeira que leva a Deus
e vão deixando culpas no caminho. 

Os sinos tocam, chamam os romeiros:
Vinde lavar os vossos pecados.
Já estamos puros, sino, obrigados,
mas trazemos flores, prendas e rezas. 

No alto do morro chega a procissão.
Um leproso de opa empunha o estandarte.
As coxas das romeiras brincam no vento.
Os homens cantam, cantam sem parar. 

Jesus no lenho expira magoado.
Faz tanto calor, há tanta algazarra.
Nos olhos do santo há sangue que escorre.
Ninguém não percebe, o dia é de festa. 

No adro da igreja há pinga, café,
imagens, fenómenos, baralhos, cigarros
e um sol imenso que lambuza de ouro
o pó das feridas e o pó das muletas. 

Meu Bom Jesus que tudo podeis,
humildemente te peço uma graça.
Sarai-me Senhor, e não desta lepra,
do amor que eu tenho e que ninguém me tem. 

Senhor, meu amo, dai-me dinheiro,
muito dinheiro para eu comprar
aquilo que é caro mas é gostoso
e na minha terra ninguém não possui. 

Jesus meu Deus pregado na cruz,
me dá coragem pra eu matar
um que me amola de dia e de noite
e diz gracinhas à minha mulher. 

Jesus Jesus piedade de mim.
Ladrão eu sou mas não sou ruim não.
Por que me perseguem não posso dizer.
Não quero ser preso, Jesus ó meu santo. 

Os romeiros pedem com os olhos,
pedem com a boca, pedem com as mãos.
Jesus já cansado de tanto pedido
dorme sonhando com outra humanidade. 

(ANDRADE, C. D. Alguma poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p.76-77.) 

Com base no poema, responda aos itens a seguir. 

a) Ao se ler o poema, reconhecem-se diferenças entre as preces dos romeiros e a perspectiva do eu lírico. 

Explique essa diferença e caracterize as várias preces dos romeiros. 

b) Na segunda estrofe, há um diálogo? Justifique sua resposta. 


Gabarito: 

1. a) É evidente a presença do nacionalismo predominante nesta cena. Alfredo e Azevedo conversam sobre o convívio familiar e os bailes de salão e, neste primeiro momento, percebem-se termos pronunciados em francês por Azevedo,que mostra apreço pelos bailes, pela França e pela cultura francesa, em detrimento da cultura brasileira. O diálogo segue, e é ressaltada, na fala de Alfredo, a necessidade de valorização do país, como nos fragmentos: “Faltam os homens que os compreendam; e sobram aqueles que só acreditam e estimam o que vem do estrangeiro.” ou 

“Porque tenho medo de, na volta, desprezar o meu país, ao invés de amar nele o que há de bom e procurar corrigir o que é mau.”. 

b) O nacionalismo e a necessidade de valorização do Brasil estão evidentes nas falas do personagem Alfredo. Essa preferência é reforçada na discussão entre a eles; enquanto Alfredo exalta a “Academia de Belas-Artes” no Rio de Janeiro, Azevedo diz não saber de sua existência e acredita que não existam arte e artistas no Brasil, demonstrando preferir o estrangeiro. Alfredo representa a personagem nacionalista no diálogo. 

2. Ao saber que seu filho nasceu com Síndrome de Down, o pai, no primeiro momento, rejeita essa condição e tenta lidar com o problema de modos diversos, como mostra o fragmento. Busca a explicação científica e racional, e volta-se para a pesquisa sobre a origem do termo, em atitude de isolamento; pensa na elaboração de um roteiro, ao imaginar o momento em que conta aos demais sobre o filho, numa perspectiva de cena dramática, como sugere a referência à tragédia; vê a situação mais próxima da realidade, quando imagina restringir-se a respostas curtas. Nessas duas últimas reações, evidencia-se a preocupação com a imagem social. Percebe-se, em tom irônico, a não aceitação do fato, que o leva a abordagens do problema ligadas às suas atividades de pesquisador e escritor, ou seja, apenas ao seu papel profissional e ao modo como deverá lidar com a opinião das pessoas, ao assumir seu papel de pai. 



3. a) O eu lírico assume a posição de observador na primeira parte do poema, descrevendo os romeiros, enquanto caminham à igreja. Há um certo tom crítico do eu lírico nos dois últimos versos da quarta estrofe e ao enumerar os elementos na quinta estrofe, incompatíveis com o local, a igreja. Da sexta à nona estrofe, os romeiros fazem suas preces e cada um está sendo retratado individualmente: o leproso, cuja alusão à lepra o caracteriza, pede amor; outro romeiro com dificuldades financeiras pede dinheiro; o terceiro, dominado pelo ciúme, quer coragem para cometer um assassinato, e o quarto, ladrão, pede para não ser preso. Em todas as preces, percebe-se a quebra de expectativa do que se espera de um penitente – o arrependimento – e os pedidos que, de certo modo, provocam o humor. Ao final, o eu lírico assume outra vez a posição de distanciamento descritivo e de crítica. 

b) Sim, há diálogo. Embora não apareçam todas as marcas do diálogo, como o travessão do discurso direto, percebe-se, com clareza, a distinção entre os sinos que chamam “Vinde lavar os vossos pecados.” e a resposta dos romeiros “Já estamos puros, sino, obrigados,”. O imperativo “vinde”, o vocativo “sino” e o termo “obrigados” são principais marcas desse diálogo.

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